CORPO E DESEJO
Nossa capacidade de desejar é muito maior do que a nossa possibilidade de realizar nossos desejos.
O corpo não é máquina! Comparar o corpo com
máquina é quase querer comparar o homem a Deus.
Mas é isso que as nossas culturas têm feito
tentando transformar o corpo em máquina, como se assim podemos ficar livre de
nossas existências.
O nosso tempo é um tempo de banalização do
corpo.
E por via disso, de banalização era feita
somente com as mulheres, quase que dizer que mulher era só corpo hoje este fenômeno
já atinge também os homens. Basta darmos uma olhada nas propagandas, nas
novelas e nas capas de revistas para verificar isso.
Ter um modelo de beleza não é um privilégio
ou uma invenção de nossa época.
Outras épocas e outras culturas também já o
tiveram. O problema maior de nosso tempo é que na cultura uma mensagem e ideal
corpóreo é contra o corpo. Não se trata mais de buscar a beleza e a saúde, mas
sim de buscar um domínio sobre o corpo de tal maneira que ele seja o que
queremos que ele seja, e não o que ele é. Ao invés de se buscar o prazer da
actividade física como forma de moldar o corpo de acordo com o ideal da
cultura. Quantas e quantas lesões as pessoas não causam ao próprio corpo por
não conseguirem perceber seus limites e por olharem apenas para a meta da
beleza como padrão cultural. Malham, malham e malham, e nunca estão
satisfeitas. Fazem regimes e mais regimes, e estão sempre se achando gordas.
Uma plástica atrás da outra, maquilhagem atrás de outras. A menor celulite ou a
menor barriguinha já é motivo para se antever a possibilidade da rejeição. O
começo da calva é o começo da decadência. Envelhecer é sinônimo de adoecer.
A maneira mais comum de se lidar com o corpo em nossa cultura é chamada de maneira narcísica, pois o que a pessoa deseja em última instância não é a saúde, o bem-estar ou a espontaneidade graciosa, mas, antes, a beleza orgulhosa que a destacará na multidão. Essas pessoas não percebem que aquilo de que precisamos é nos destacar da multidão, e não na multidão. Para conseguir seu intento, elas preocupam-se demasiadamente consigo mesmas acabam incapazes de amar os outros e incapazes de solidariedade.
São geralmente pessoas muito ciumentas e
muito inseguras acerca de si e dos outros, exigentes em demasia, sugadoras das
pessoas que dizem amar.
Esta ideologia cultural traz reflexos na
maneira de as pessoas lidarem com o corpo. Há como que uma ditadura da
perfeição física que acaba por provocar.
Cria-se praticamente uma obsessão feminina
por um visual perfeito, como se fosse isso necessário e o suficiente para
atrair o príncipe encantado.
Para os homens, este ideal aparece na forma
de um corpo musculoso e torneado de determinada maneira, embora muitos tentem.
É logico que para termos amor-próprio, todos nós temos um pouco de algo que até poderíamos chamar de narcisismo.
O excesso é que é prejudicial. Este excesso
tem sido muito incentivado em nossa cultura ocidental, uma cultura cada vez
mais individualista e mais desperdiçadora. Por exemplo, podemos notar isso na
valorização que se dá às pessoas pelas posses que têm.
Vale muito mais em nosso tempo a pessoa que
tem dinheiro e símbolos de poder - carros luxuosos, celulares de último tipo,
roupas de grife etc. -. do que a pessoa que atingiu certa sabedoria e, a partir
daí, uma dose maior de autonomia.
O Truque que a propaganda usa para
incentivar essa conduta narcisista é provocar confusão entre desejo e
necessidade.
Desejar é infinito. A partir do momento em
que estamos vivos, estamos desejando.
Quando alcançamos a realização de um
desejo, logo outro aparece, de maneira que não há como vivermos sem desejar.
Mas o que desejamos não coincide necessariamente com aquilo de que precisamos,
com aquilo de que não coincide necessariamente com aquilo de que precisamos,
com aquilo de que necessitamos.
Eu posso desejar ter um carro importado de
último grito, mas não preciso dele para viver nem mesmo para ser feliz. Não
serei uma pessoa melhor ou pior se tiver, ou não um carro importado. A maioria
de nossos desejos não encontra satisfação na realidade- a vida nos frustra
bastante e sempre. Em outros termos: nossa capacidade de desejar é maior do que
nossa possibilidade de realizar nossos desejos.
E nessa capacidade imensa de desejar que a
propaganda se apoia para fazer as pessoas confundirem desejo com a necessidade.
A propaganda nos faz acreditar que necessitamos de coisas que simplesmente
desejamos, o que acaba por nos levar a acreditar que mais importa o que
parecemos do que o que somos. A imagem passa a ser mais importante do que o conteúdo,
a riqueza passa a ser mais importante do que a sabedoria, ser famoso passa a
ser mais importante do que ser digno. Temos dificuldade de reconhecer nos
outros seres humanos nossos semelhantes. Essa é a praga do narcisismo.
Você sabe diferenciar aquilo que deseja
daquilo que precisa? Tente dar um exemplo ao responder a esta pergunta.
Editor - Valente Pensador
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