Quem ganhou o “Beef” entre o Projecto X e a Força Suprema? (Jack Kisala Rah’id in Artigos de Opinião)
O SUPOSTO MOTIVO DO “BEEF”
Entre os vários motivos, lembro-me ter visto o Vui Vui a afirmar numa entrevista qualquer que atacou o grupo da Linha de Sintra por este ter “blasfemado” todos os artistas, com particular ênfase para as lendas e, segundo à interpretação do membro dos Kalibrados (e à de quase todos nós), embora o substantivo esteja no plural, lendas aqui resume-se a um artista singular que, coincidentemente, atribuiu-se a si mesmo este título. O artista em questão é ninguém mais, ninguém menos do que o Big Nelo. Para mim, é-me difícil acreditar nesta conversa para boi dormir. Ora vejamos, no seu auge, não conheci nenhum artista mais cheio de si e desrespeitoso do que o Vui Vui, além de nunca ter tido papas na língua (característica esta que é uma faca de dois gumes, ou seja, pode, por um lado ser uma virtude, mas por outro ser um defeito), ainda na altura do “beef” com o seu então arqui-rival, o Vui Vui injuriou fortemente, sem piedade e sem compaixão o pai do seu Sandocan. O líder dos Army Squad e outros membros do seu grupo ficaram tão furiosos de tal forma de houve uma tremenda confusão num programa radiofónico por causa das injúrias do Vui Vui contra o pai do Sandocan. Entretanto, a fama subiu-lhe com tanta intensidade à cabeça que Vui Vui foi mais longe no mesmo “freestyle”, que consta do álbum “Depois de Tudo” (2007) de autoria do Megga Fofo. A bordo de um “comboio”, isto é, uma música com vários artistas, cada um cantando a sua estrofe um atrás do outro, estando em série como as várias carruagens de um comboio, daí o termo; além do rapper dos Kalibrados, outros “soldados civis” da era dourada do Big Show Cidade também se faziam presentes, são eles: Lil Jorge, Extremo Signo, D’Mage MC e Boy G. No freestyle, Vui Vui dispara com o melhor que tem no seu arsenal, uma arma de inexistente de Kalibre .58 contra aquele que segundo ele é um dos seus ídolos, um pioneiro do rap feito em português: “uns meses em Portugal e o Boss [AC] virou caxico.”
Custa-me a crer que alguém que, no seu auge, tenha desrespeitado o seu próprio ídolo, faça tempestade num copo de água por uns versos em que o artista nem sequer mencionou explicitamente a quem se dirigia. É legítimo que o Vui Vui queira atacar o NGA e a Força Suprema ou qualquer outro rapper, até porque ele mesmo ao afirmar, numa entrevista, que se “arrepende” de ter dito aquela maledicência ao seu ídolo, abriu um parêntese para citar o próprio Boss AC que afirma na música “Hip Hop (Sou Eu e És Tu)” que “Hip Hop é desafiar o MC que segue”, mas não devemos nos esquecer, e ainda citando aquele pioneiro do rap feito em português, na mesma música, que ”Hip Hop também é dar props a quem quer que os mereça.” Portanto essa falácia de que atacou a FS porque este [grupo] atacou as lendas, cá para mim, não faz sentido. Na minha opinião (e sei que muitos vão discordar), o ataque do Vui foi motivado por inveja, talvez me perguntem: “inveja de quê?” Eu explico: Durante muito tempo, o pessoal mais converservador do hip-hop marginalizou bastante a Força Suprema, no entanto, enquanto os seus detractores passavam o tempo a falar deles, eles nunca pararam de trabalhar e, hoje, quer queiramos admitir, quer não, o grupo conquistou, com seu trabalho árduo, tudo que tem hoje.
Entendo perfeitamente o sentimento de Vui Vui, de um fazer parte de um grupo com muito sucesso e um álbum clássico para no dia seguinte lançar uma obra e as pessoas não se interessarem por ela. A perda de poder é um sentimento difícil de se lidar mas é necessário que saibamos, o Yannick disse-o e muito bem: “…não há sucesso que dura todo o tempo.”
Para mim, por sorte, trabalho ou estratégia, a FS se tornou um grupo de transição, ou seja, é o elo entre o [fim] do Boom Bap e o [início] do Trap, entre a fim do consumo da música por meio de CD e o início consumo da música por meios mais modernos (ficheiros MP3, “streaming”, etc.). Ela (a Força Suprema) soube usar a seu favor esta transição, quanto ao Vui, por exemplo, tanto quanto sei, o clássico do seu grupo e do rap nacional “Negócio Fechado” nem se encontra no Apple Music (não sei se está disponível no Spotify e outras plataformas de streaming) mas este é um erro crasso. Sinceramente, a única razão que me convence de que um artista não tenha a sua música nestas grandes plataformas é um contrato de exclusividade qualquer que dê ao artista uma grande vantagem, porém admito de antemão que vocês como artistas sabem melhor do que eu o que é vantajoso para as vossas carreiras, entretanto, ainda acho que ter as músicas nessas plataformas para as pessoas escutarem ainda que paguem pouco é mais vantajoso do que ter as músicas guardas em CD sabe-se lá onde. A forma como se consome música hoje é diferente e os artistas têm de transitar e adaptar-se. E talvez me digam, mas o pessoal em Angola ainda não tem condições (preços exorbitantes da internet) para pagar pelos serviços de internet e eu digo, não devemos ter em conta apenas o pessoal que está aqui em Angola, temos de pensar também no pessoal que está fora do país.

FORMAÇÃO DO PROJECTO X E CONVERSA PARA BOI DORMIR
Eu sempre achei que a ideia da criação do Projecto X fosse do Vui Vui, este facto só fortificava mais as minhas alegações da inveja do Vui pelo NGA e o seu grupo, mas devo dar a mão a palmatória e admitir que estava errado, pois, segundo o próprio, ele, na verdade, foi o último a ter conhecimento e a entrar para o grupo. Eis abaixo um extracto da entrevista em que ele esclarece isso:
Embora eu acredite neste pronunciamento e não ache que ele tenha motivos para mentir sobre isso e, sobretudo, publicamente, algo me diz que isto parece um pouco estranho. Tal estranheza é ainda mais intensificada pelo facto de o Vui Vui, nas entrevistas ou pronunciamentos que se seguiram ao lançamento da bomba atómica que é claramente a arma mais letal da parte do Vui Vui: a música “Enrolo Todos”. Esta bomba chegou tarde, se tivesse chegado mais cedo, talvez tivesse deixado Hiroshima (FS) e Nagazaki (Dope Boyz) em cinzas. Porém, o que para mim não bate certo é o seguinte: segundo o Vui Vui, a bomba já tinha sido preparada há algum tempo, mas estava aí atirada à sua sorte e ele não queria lança-lá; certo dia, chegou um amigo seu no estúdio e levou a música e foi espalhando-a… Deixa-me ver se entendi bem isto, com que então, o Projecto X estava claramente a perder a guerra, já todos pensávamos que estavam mortos, tanto que o NGA e os seus já tinham trazido a “Urma” para enterrá-los e durante todo este tempo a música já estava gravada?! Isto não é conversa para boi dormir?! Que idade tenho eu?! Está a tentar me fazer acreditar que, no meio da guerra, ele simplesmente está a morrer e recusa-se a usar a sua arma mais poderosa? Para mim, a música saiu quando ficou pronta e foi vontade do Vui lança-la, de resto não faz sentido.
MAS AFINAL DE CONTAS QUEM GANHOU O BEEF?
De modo geral, não gosto de “beef”, porém, este adorei, pois, nos deu muitas músicas boas de ouvir em volume alto.
E falo dos dois lados; “Urna”, Projecto X” e “Avisa K Tamu” são “club bangers” que o meu carro agradece. Mas houve também muitas linhas duras, aqui, destaco o Prodígio no XL Cyphers, de modo geral a FS e os Dope Boyz na música “Urna” e o Vui Vui no “Enrolo Todos”. Para mim, os grandes vencedores deste beef foram os ouvintes que ganharam muitas músicas. Em segundo lugar, devo admitir que, embora desde o princípio eu fosse contra, o Projecto X também ganhou muito, atenção, não estou a dizer que ganhou a FS (sem comparação), estou apenas a dizer que o livro do Vui Vui, “Não Basta Apenas Ter Talento” pelo menos serviu para alguma coisa. Eu explico: antes do beef, pouco ou nada se falava dos Kalibrados, bem menos ainda dos Army Squad, entretanto, este “beef” serviu como um trampolim para mais 15 minutos de fama, pois, durante mais algum tempo, foram contratados para fazer shows remunerados, coisa que não faziam há anos, embora ainda ache que o valor de mercado deles não era grande coisa, isto sem falar que tinham de fazer divisão por 4 e há também o contrato com a B26. Mas sejamos sinceros, daí veio mesmo algum dinheiro?
Entretanto, eu acho que em tudo isso, houve um grande perdedor: o grupo Army Squad; por um lado, com o “beef”, o Vui Vui conseguiu fazer com que a nova geração do rap fixasse o seu nome, embora não o escutem, sabem de quem se trata, por outro lado, o “beef” teve o efeito contrário para o Army Squad. Há muito que não se falava do Army Squad, no entanto, estavam gravados nas nossas memórias como um grupo que fez a sua parte e foi peça essencial para os alicerces do nosso rap, eles estavam bem no passado, mas decidiram passar vergonha no presente. Por causa desse “bad move”, eles mancharam a marca Army Squad/Army Music, hoje não são vistos como artistas sérios. O Mankilla com as suas “nursery rhymes” (rimas de crianças) e duplos sentidos sem sentido como aquele na música “Vilão”: “Todas as minhas músicas cá toca / Lapidadas que nem empresa Catoca”. Não me interpretem mal, os membros do Army Squad nunca foram os melhores “liricistas” mas desceram a um patamar lastimavelmente baixo. Já agora, acho que deveria pôr o Kadaff aqui na categoria de perdedor também para fazer uma participação especial ao Mankilla.
Texto: Jack Kisala Rah’id in Artigos de Opinião
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